Realização: Conjunto Cultural da Caixa
Local: Galeria Arcos. Conjunto Cultural da Caixa. Salvador/BA.
Data: 2003
ODARA. THE AFRO-BRAZILIAN UNIVERSE IN THE ART OF RONALDO MARTINS
ART AND AURA OF SPIRIRUALITY
Ronaldo Martins’ first one-man exhibition, held in his native city of Salvador in Brazil, was entitled Oxum (1988). In the center of this exhibition was the interpretation of the Goddess of Fertility.In 1990, the artist presented a second individual exhibition that took Oxalá as its main theme His first exhibition in Germany had the title Black Light (1991-1992) and was also dedicated to Oxalá the Goddess of Creation Hereafter he presented his series Axé in various German cities, as a scholar of the renowned artist center of Schieder-Schwalemberg (Westphalia). In 2002 he had the exhibition Ayabás, in the gallery of SESC, Salvador-Bahia, as new evidence of this artistic creativity.
Ronaldo Martins ‘images reflect his view of the world: they are deeply influenced by his sense of the sacred. The shining colors, the harmonious, flowing forms of his pictures are part of the series that he calls Odara. The theme of the continuity and development of African religion in Brazil continues to be the point of departure of his creative activity. This theme, however, offers new space for a broader interpretation. Ronaldo Martin’s paintings offer the viewer entrance into a rich and ancient cultural universe. This is enriching, above all when we envision the relationship between Human beings and nature even today – and especially today.
Polysemy – the possibility of varying interpretations – is, in the artist’s new series presented here, more obvious than in his earlier work. It indicates a deepening of Martins’ artistic development.
The tropical sun and the natural environment of his homeland inspire the artist to a magnificent play with soil, water and sea shells, like in the paintings. Nanã, Exu or Yemanjá. In Oxóssi dominates above all the atmosphere of a mystical, mysterious jungle. Often Ronaldo Martin’s images suggest the core of life: the seed that opens and soon becomes a plant, a womb that shelters the fetus. The symbolic black faces, omnipresent in his earlier work, have been partly combined with highly abstract forms, which offer possibilities fantasy. The new series also offers impressive, mysterious human figures. Their African features radiate harmony, concentration and beauty.
But the viewer will also discover some very different things in these images: the effervescent energy of life and the vitality of nature explode in color and in an unusual play of light, curves and circle. These, in a search for the infinite, project outwards or reflectively sink into themselves in longing for intimacy, trust and spirituality. The peace and the harmonious balance, that emerge from these pictures, seem to radiate healing, soothing energies and are permeates with an exotic, unusual but at same time very familiar, spirituality.
Ronaldo Martin’ confrontation with Man and Nature, both being unthinkable for him without God, can also function as a stimulus in other cultures. The artist adjusts himself to the modern, urban person, who, with his Western values, is oriented to an industrialized, capitalist consumer oriented society. But his vision not fundamentally limited to the Afro-Brazilian universe. He has been able, starting from his own roots, to reach the cosmic and varied dimension of the sacred and he makes the sacred possible for the viewer. In his earlier exhibitions he made possible, though his artistic approach, the translation and transmission of the African religious sense and its symbolism. Now, the ODARA series opens up a more general view of spirituality, which aims at the universal.
The artist wants to go beyond boundaries, including religious boundaries. He wants to mix the senses and emotions to demolish the barriers that dull our sensibilities and blind us, and thereby creates a more direct and deeper connection to God.
Moema Parente Augel
Universidade de Bielefeld - Alemanha
Apreciação crítica:
ODARA. O UNIVERSO AFROBRASILEIRO NA ARTE DE RONALDO MARTINS
ARTE E IRRADIÇÃO ESPIRITUAL
A primeira exposição individual de Ronaldo Martins teve lugar em sua cidade natal Salvador/Bahia, sob o título de Oxum (1988), centrada na interpretação da divindade africana e afro-brasileira da fecundidade. Uma segunda exposição individual do artista aconteceu de novo na Bahia, em 1990, dedicada a Oxalá, orixá da criação. Na Alemanha, Ronaldo Martins apresentou-se com as exposições Schwarzes Licht, Luz Negra (1991-1992) e mais tarde, depois de ser bolsista por um ano no conceituado centro artístico de Schieder-Schwalenberg, na Vestafália (de 1995 a 1996), apresentou a coleção Axé, uma nova experiência pictórica, mostrada em várias cidades alemãs. Em 2002 o artista realizou na galeria do SESC, em Salvador, a exposição intitulada Ayabás.
O tema da continuidade e da evolução das religiões africanas no Brasil constitui a base e o ponto de partida da sua atividade criadora, ao mesmo tempo em que oferece novos espaços para interpretações mais amplas e abrangentes, incluindo o sincretismo com o cristianismo. As telas de Ronaldo Martins possibilitam ao expectador acesso a um universo cultural riquíssimo e milenar que visto sob o prisma das relações entre os seres humanos e a natureza, ainda hoje, e talvez, sobretudo hoje, pode desempenhar um importante papel interativo, um diálogo intercambiável entre as diferentes culturas do país.
ODARA, termo iorubá, expressão familiar no universo sagrado das religiões afro-brasileiras, pode ser traduzida como belo e bom. O título da exposição remete a uma abrangência intencional que ultrapassa os limites das mostras anteriores de Ronaldo Martins.
A polissemia, isto é, a multiplicidade das interpretações possíveis, é sensivelmente mais presente tanto em AXÉ como nesta nova série de Ronaldo Martins, patenteando um aprofundamento e uma verticalização do seu percurso estético. O sol e a natureza tropicais do seu país natal são permanente fonte de inspiração para o artista: terra, areia, água, conchas, como por exemplo, nos quadros Nanã, Exu e Yemanjá. Em Oxóssi predomina a atmosfera da floresta virgem, mística e misteriosa, passando ao espectador a presença do mato sagrado onde às forças da natureza se integram com a potência divina.
Muitas vezes as telas de Ronaldo Martins evocam o centro mesmo da vida, a semente que se abre prometendo florações, um útero que abriga e protege o feto, imagens que podem reportar o espectador a sentimentos de proteção maternal.
Os rostos negros e emblemáticos, antes tão recorrentes, cedem lugar agora em parte a formas mais abstratas, que oferecem espaço para uma fantasia ilimitada. Mas esta nova exposição apresenta igualmente figuras humanas majestosas e imponentes, cujos traços africanos irradiam harmonia, concentração e beleza.
O espectador pode sentir-se atraído especialmente pela efervescente força geradora e pela vitalidade da natureza, que em muitos quadros se expandem em cores e formas, num inusitado jogo de luz, curvas, círculos e espirais que, aspirando ao infinito, o sem limites, ora se projetam para o exterior, ora se concentram introspectivamente em si mesmas, numa busca de intimidade, confiança e interiorização. O equilíbrio e a harmonia que evolam dos quadros de Ronaldo Martins parecem irradiar uma energia regeneradora e apaziguante, perpassando por uma espiritualidade ao mesmo tempo exótica e incomum, mas também de reconfortante familiaridade.
A visão interpretativa do artista não se restringe ao seu universo afro-brasileiro. A interação entre homem e a natureza, que para Ronaldo Martins é impossível sem a presença divina, é o principal motor de sua arte e justamente esse aspecto pode servir de estimulo também para outros ambientes culturais. O artista dirige-se ao homem de hoje, contemporâneo e urbano, voltado para os valores ocidentais de uma sociedade industrializada, capitalista e orientada para o consumo e a competitividade. O artista intenciona captar, partindo das suas raízes africanas, a dimensão cósmica e plural do sagrado, propondo ao espectador a sua múltipla interpretação através dos caminhos da sua arte.
Outro elemento da presente exposição é as esculturas que representam diferentes ayabás, os orixás femininos do panteão afro-brasileiro. São figuras estáticas e introspectivas, os olhos voltados para o interior de si mesmos, o nariz sempre destacado, bocas enormes e indagadoras, rostos enigmáticos e sempre os seios fartos e as formas arredondas da fecundidade primordial.
Se nos seus trabalhos anteriores a sua preocupação estética baseava-se na transmissão da religiosidade afro-brasileira e na sua tradução simbólica e emblemática, esta nova série dos quadros da exposição ODARA abre-se para uma espiritualidade muito mais ampla e universalizante.
Com a atual exposição ODARA, apresenta-se um artista bem mais maduro e realizado, tanto do ponto de vista técnico como da expressão. Os quadros de Ronaldo Martins refletem a sua imagem do mundo e são profundamente impregnados pelo sagrado.
Moema Parente Augel
Moema Parente Augel
Universidade de Bielefeld - Alemanha
