Reflexões

Indignação e dor, um rei que caça elefantes


Senti um misto de indignação e tristeza ao saber que em pleno século XXI o rei Juan Carlos da Espanha participa de safaris para caçar elefantes.  Minha indignação foi maior ao ver a foto do rei com outro caçador ostentando os seus rifles e, como cenário da foto, está um elefante morto com a cabeça, apoiada pela presa e tromba, em uma árvore. Uma cena degradante.
Na foto, o animal e sua dor servem de cenário para a perversidade e estupidez dos seres humanos, infelizmente, representados pelo orgulhoso caçador e pelo rei da Espanha.
Lembrando a expressão “uma a imagem vale mais que as palavras”, a foto do rei da Espanha ostentando o seu troféu de caça, um elefante africano, me reportou a algumas questões que certamente causaram grande inquietação, dor e desequilíbrio a toda humanidade. Refiro-me as atitudes perversas de mentes cruéis, como no caso dos esnobes caçadores de elefantes, que caçam pelo prazer de ostentar um troféu exótico para seus amigos.
A imagem antiquada do caçador que dizima animais por prazer remonta a um momento histórico colonialista, onde exploradores europeus e americanos em busca da aquisição de matéria prima e expansão dos seus mercados, além de apropriar-se daquilo que desejavam, divertiam-se exterminando animais e pessoas na África e nas Américas. Faz parte desse momento a concepção racial que considerava os “brancos” superiores aos “negros” e “índios”; a idéia da natureza – os animais, a terra, a água, as florestas – como objetos a serem usados e explorados; e a equivocada concepção da cultura européia como exemplo superior de civilização para todo o ocidente.
Neste ano de 2012 em que ocorrem discussões, reflexões e ações para conservação da biodiversidade no planeta, preservação da fauna e flora para as futuras gerações, pesquisas científicas de impacto ambiental na produção de alimento, questões que sensibilizam as populações do mundo inteiro. Espanta-me ver a foto do rei da Espanha caçando elefantes. Sobre essa atitude brutal, muitas críticas focam no investimento de 35.000 ou 45.000 euros, feito pelo governo espanhol na caçada de cada elefante para divertir o rei, no momento atual de grande dificuldade econômica que passa a Espanha. A atitude de caçar um animal tão magnífico, nessas abordagens, está relegada a um segundo plano e a matança dos elefantes feita pelo rei, passa a ser minimizada.
Sobre a legitimidade das autorizações de caça de animais e extração de madeira em muitos países africanos e nas florestas brasileiras, sabemos que muitas normas de manejo ambiental e autorização de caça, são criadas a partir de conchavos entre políticos e comerciantes para favorecimento individual.  São verdadeiras armações que a partir de autorizações de instituições locais, criam arranjos para legitimar a devastação das florestas e a matança dos animais. Trata-se de uma burocracia construída muitas vezes a partir de um discurso “politicamente correto” que diz buscar proteger a natureza e promover um desenvolvimento sustentável, mas são aparatos práticos que visam unicamente o lucro fácil e o favorecimento de uma elite local inconseqüente.


Tratando das atitudes aparentemente corretas que envolvem os jogos de interesse por trás das autorizações para matança de animais em alguns países africanos e no Brasil, vale ressaltar o cinismo e o jogo de aparência que envolve alguns acordos entre os ambientalistas e os representantes públicos. Nesse sentido, o rei Juan Carlos, caçador de elefantes, é um péssimo exemplo, se por um lado pousava como um membro ilustre do Fundo Mundial para Natureza,  WWF, considerado um protetor da vida, por outro lado, matava elefantes, destruía a vida que dizia proteger.

Sinto certo alivio ao transcrever a minha indignação, ao expressar a emoção que brotou de meu coração e do meu pensamento, sentimento de muitas outras pessoas ao redor do mundo. Pessoas que sabem que estamos em outra época, tempos de cuidar um dos outros.  Momento em que não se permite mais atitudes inconseqüentes, perversas contra pessoas, animais, plantas e lugares. Momento em que cada um deve se comprometer em promover à vida, a saúde, a paz, a tranqüilidade e o bem estar um dos outros, seja atuando como pedreiro, professor, médico, cozinheira ou rey.
Ronaldo Martins
Salvador, 21 de abril de 2012.
Mestre em Educação. Pesquisador do PRODESE – Programa de Educação e Descolonização, UNEB/CNPq.